HISTÓRIA E CONEXÕES DA MATA ATLÂNTICA

Como aves e cavernas podem ajudar a contar o passado de um dos biomas mais diversos do mundo.

Conexões das florestas

A Mata Atlântica é uma das três principais florestas úmidas da América do Sul, junto com a Floresta Amazônica e a Floresta Andina. Essas três florestas estão separadas pelas áreas mais secas e com poucas árvores dos biomas Caatinga, Cerrado e Chaco, que formam a chamada “diagonal seca”.

Mapa ilustrando a diagonal de biomas secos que a Caatinga, Cerrado e Chaco formam ao longo da América do Sul.

Apesar de não serem ligadas atualmente, essas florestas tropicais compartilham uma história: algumas de suas espécies de animais e plantas são muito próximas entre si. Esse parentesco próximo pode indicar alguma ligação entre Mata Atlântica, Amazônia e Floresta Andina no passado?

Existe uma espécie de pássaro que pode ajudar a responder essa pergunta. O Trichothraupis melanops, conhecido como tiê-de-topete, é um passarinho de cara preta e topete amarelo que vive tanto na Mata Atlântica quanto na Floresta Andina.

Para investigar o parentesco entre várias populações desse pequeno pássaro, um grupo de pesquisadores tirou um pouco de sangue de indivíduos de tiê-de-topete da Floresta Andina e da Mata Atlântica. Compararam seus DNAs e fizeram análises estatísticas para calcular sua probabilidade de parentesco.

O primeiro passo para o estudo é a captura dos indivíduos de tiê-de-topete, usando redes de neblina, como essa ilustrada na imagem.
Vários indivíduos desses pássaros são capturados, catalogados, guardados em coleções e têm seu DNA analisado.

Esse estudo, além de confirmar um parentesco entre os tiê-de-topete das duas florestas, concluiu que a rota por onde esses animais se dispersaram foi em alguma área entre o sul do Cerrado e o norte do Chaco, próximo onde hoje estão o Paraguai e o sul da Bolívia.

Outros estudos do projeto AF Biota também encontraram rotas parecidas. Outras espécies de aves, lagartos e plantas se dispersaram através da diagonal seca, o que reforça uma possível conexão da Mata Atlântica e a Amazônia no passado.

O clima em transformação

Essa conexão entre biomas só foi possível porque o clima no planeta nem sempre foi o mesmo. Por exemplo, de 2,5 milhões de anos atrás para cá, nosso planeta passou por períodos glaciais e interglaciais. A mudança na temperatura e na umidade foi importante para definir a paisagem da América do Sul de cada época. Por exemplo, a região centro-leste do Brasil teve um aumento no regime de chuvas desde o último período glacial (há 71 mil anos). Esse aumento da chuva deu as condições para que uma região seca passasse a ser úmida em poucas décadas. A vegetação mudou e a Mata Atlântica expandiu, criando corredores de mata que se encontraram com as outras florestas úmidas da América do Sul.

Esse encontro pode ter sido bem recente e por mais de uma vez. Em 2013, um estudo comparou a presença e parentesco de um grupo de aves - chamados de suboscines - que estão presentes tanto na Mata Atlântica quanto na Amazônia. Os resultados apontaram para dois possíveis caminhos que um dia conectaram essas duas florestas: uma conexão recente na região nordeste do Cerrado - há menos de 5 milhões de anos atrás - e uma mais antiga, na região onde hoje é o sul do Cerrado e o Chaco (Bolívia e Paraguai) - há cerca de 15 a 5 milhões de anos atrás.

Assim, essas três florestas úmidas têm muitas histórias compartilhadas. Diferentes momentos do passado que permitiram conexões, como os corredores que os tiês-de-topete e muitos outros seres vivos usaram como caminho para se dispersar de um bioma para o outro.

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Representação das rotas de migração que as espécies fizeram há milhões de anos atrás. Cada pássaro representa uma população daquela espécie. As áreas verdes representam áreas de floresta úmida que crescem e se retraem ao longo do tempo. O surgimento de corredores de áreas verdes permite a dispersão dessas populações. Note que o primeiro corredor surge na parte sul da Mata Atlântica (15 a 5 milhões de anos atrás), posteriormente (há 5 milhões de anos) surge um novo corredor verde no norte desta floresta.